É dentro da arte que as coisas estão
Tive a sorte de um dia subir à Serra do Caldeirão. Lá no alto, a casa é um barco ancorado à montanha, onde o vento é brisa para navegação do olhar. Os horizontes da paisagem são tão vastos e diversos que nos fazem esquecer, por momentos, o agro agreste e desolado da serra, para fixarmos os olhos na lonjura da terra que caminha à procura de outras amenidades, abençoadas pelo sol do Algarve. Mas aqui não é preciso desfraldar velas para sonhar. O vento do sonho habita o lugar.
Quando, depois, Jina me abriu a porta do seu universo criador, percebi que a metáfora do navio arpoado à montanha, que era a casa, se articulava com o fascínio da viagem plástica de Jina Nebe – reais presenças – na descoberta de uma matriz marcada por inquietação inovadora e um espírito de incessante busca de linguagens.
Nesse desafio estará contida a fonte de inspiração desta arquiteta checa, que trouxe decerto da Praga de Rilke o segredo de saber recriar realidades onde a escala humana se relaciona numa relação intimista e sóbria com os rumores do mundo. Tudo isso e muito mais revela o cruzamento de olhares da artista, captando linhas austeras ou modernas, uma luz densa de ternura que poisa no horizonte até onde a vista alcança e se projeta depois no inventário dos detalhes das paisagens. E aí temos uma geografia ampla, vista do céu, uma arte feita do lume de outros sóis, de outros verdes e azúis, de outros desertos e oásis. Essa geografia passou por Bruxelas e Paris, caminhou para a claridade do sul, ancorou-se à luz do Algarve e de Tavira, foi às Ilhas Maurícias e a Madagáscar, ao Chade e ao Iraque, deteve-se na Ibéria.
Aqui, voamos sobre Portugal e Espanha e descemos ao chão das pátrias em belíssimas aguarelas. Olho para as cores e lembro-me do poema de Torga: «De um lado terra, doutro lado terra;/ De um lado gente, doutro lado gente;/ Lados e filhos desta mesma serra. / O mesmo céu os olha e os contempla.»
Desenhos, linogravuras, fotografias, pastéis, aguarelas mapeiam os territórios. Às vezes, as fotografias, são um caleidoscópio de espaços geométricos ou de caminhos que podem explodir num vermelho intenso; ou voos sobre um Iraque a preto e branco que parece espelho de um mundo irreal.
Jina ama essa dualidade de paisagens, dicotomia tão propícia às surpreendentes explosões cromáticas que alimentam as suas telas e as suas gravuras. É aí, nessas linhas que são rosto da terra de um vasto museu imaginário (André Malraux), de que as artes plásticas se apropriam como objeto de (re)criação, que a paleta de cores da artista reinventa com o seu olhar e a sua rigorosa observação estética.
No caso de Jina, podemos dizer que, entre outros desafios, estamos face a uma especial arte da terra, não com a sua mera expressão física, antes com a força criadora
It’s inside art that things are
Jina Nebe – the secret of knowing how to recreate realities where the human scale is in intimate and sober connection with the rumors of the world. Drawings, linocuts, photographs, pastels, watercolors map out the territories.
Those lines, the face of the land within a vast imaginary museum (André Malraux) – which the visual arts embrace as an object of (re)creation – are reinvented by the artist’s color palette with her gaze and her strict aesthetic observation.
In Jina’s case, among other challenges, we are facing a special art of the earth, not with its mere physical expression, but instead the creative force of a look that materializes an astounding color mapping of the territoriality that her painting conceives.