Toda a arte verdadeira é abstracta na sua estrutura.
Se o fotógrafo não é um descobridor, então não é um artista.
Paul Strand, 1890-1976
Eu não fotografo a natureza. Fotografo as minhas visões.
Fotografaria uma ideia antes de um objecto, um sonho antes de uma ideia.
Man Ray, 1890-1976
As minhas fotografias de nuvens são equivalentes das minhas experiências de vida mais profundas, da minha mais elementar filosofia de vida. Toda a arte é um equivalente das experiências de vida mais profunda de um artista.
Alfred Stieglitz, 1864-1946
A Jina Nebe é uma fotógrafa notável.
… descobridora que fotografa as suas visões, ancoradas nas suas mais profundas experiências vitais (diriam os três artistas maiores do século XX que nos servem de epígrafe).
Escolhe os planos, os momentos, os ângulos, a luz, …, e devolve-nos essa amálgama em forma de imagem. Mas que viu e dissecou o seu olhar?
«À primeira vista» são paisagens abstractizantes, representações (quase experimentais) do real.
Formas simples, despojadas de elementos alegóricos, simbólicos ou interpretativos.
Composições não coreografadas, que mostram caminhos, escapatórias, vias de entrada e de saída – literalmente e, também, metaforicamente.
E, assim, nos conduz pelos seus cenários naturais: a exterioridade dos elementos, dos lugares (a «coisa real por fora» de Álvaro de Campos). A imagem fotográfica quase passa, assim, por prova do real.
Mas …
Parece (dizem certos entendidos) que a fotografia que usa a natureza como sujeito tende a captar e valorizar aspectos estéticos, mais que outros tipos de fotografia. Contudo, no caso das obras da Jina, sendo a natureza o sujeito aparente, é o âmago dessa grandeza (dos grandes espaços, das grandes formas, da grande luz, da grande obscuridade) que primeiro «se vê».
«Vê-se», pois, os sonhos da artista, aqui invocados na acepção pessoana – a «sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.» (Tabacaria, Álvaro de Campos, 1928).
Quase paradoxal que se «veja por dentro» aquilo que foi fotografado durante um voo, tão distante que quase inacessível ao olhar.
Haverá, porém, um plano de proximidade, de surpreendente intimidade, que o espectador é imediatamente seduzido a adoptar – a de um horizonte onírico, sereno, sublime.
Enquanto espectador privilegiado das obras da Jina, são as paisagens interiores – as dela, as minhas – que prevalecem ao olhar e perduram nos sentidos.
Os múltiplos e preciosos níveis de interpretação que a artista nos oferenda nas suas imagens são uma geografia de emoções feita de ternas rugosidades e afectuosas lisuras.
São, em arte, pela arte, esta paz e esta beleza que eu sonho quando sonho a vida e o devir.
Uma forma humana de salvação, um antídoto prodigioso para a bestialidade e o hediondo com que certos poderes se obstinam em travestir-nos.
Monte da Fuzeta | Tavira, 2018